terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Maremoto



Tenho a impressão de que o homem só compreende os quarenta anos quando está à beira dos cinquenta. Porque tudo é (ou parece) muito mais complexo do que era antes, como numa segunda adolescência.

Nessa zona cinzenta, atingimos a maturidade profissional e começamos a deixar de lado a fase de sonhos. Nossos filhos começam a se aproximar da vida adulta (no meu caso, já há algum tempo), nossos relacionamentos se tornam mais reais, menos fantasiosos e os problemas se tornam maiores, assim como as conquistas mais relevantes.

Aqui, via de regra, as perdas inegociáveis começam a acontecer. É para isso que você, que passeia pelos gloriosos vinte anos, precisa se preparar.

Esqueça o filtro solar e o câncer de pele, o primeiro é importante e o segundo fatal, mas não deve ser essa a sua maior preocupação. Esqueça que suas veias se entopem de gordura a cada mordida no hambúrguer, que seu fígado ganha peso a cada long neck, que sua barriga cresce a cada ano, que sua energia diminui a cada aniversário, que sua aposentadoria se torna mais distante a cada novo governo, que seu relacionamento se torna mais enfadonho a cada briga, que suas férias se tornam menores a cada promoção, que seu ciclo de amizade se torna menor a cada verão, que as contas crescem a cada novo filho, que você precisa apender um novo idioma, que você precisa reservar vinte por cento - no mínimo dez – de sua renda em um investimento seguro, que você precisa de plano de saúde, que você não tem mais habilidade para jogar futebol, que os cabelos começaram a despencar, que a barba fica branca, que ninguém te dá muita atenção, que o chefe não te trata com humanidade, que você não conseguiu comprar a casa própria, que sua família não é tão família quanto você pensava, que o mundo não te aceita como você é. Nada disso será importante quando você perder sua mãe, quando sua avó perder a capacidade de se levantar sem a sua ajuda, quando seu pai apresentar os primeiros sinais de Alzheimer.

Não é simples deixar de sentir o cheiro de alguém com quem você conviveu por anos, da noite para o dia, porque simplesmente essa pessoa deixou de existir e nada, nem ninguém, vai conseguir reproduzir a sensação deliciosa de recostar no seu peito e apenas viver.

Uma onda de arrependimentos sempre virá e, como todo movimento das marés, se retrairá e tornará a molhar seus pés, num indo e vindo infinito. Lembranças boas também, talvez com maior intensidade. Não importa, a aflição provocada será a mesma: uma sensação cruel de irreversibilidade.

Logo você sentirá que passou menos tempo do que deveria com seus pais, que gastou mais tempo do que deveria em discussões frívolas. Logo você vai perceber que trocar uma noitada por uma sessão de cinema com sua avó pode ser a diferença entre essa onda tocar ou não os seus pés.

Cuidar da saúde é importante, se alimentar bem e passar o maldito filtro solar pode ser vital para chegar saudável aos quarenta anos, o tempo em que seu casamento alcançará o ápice ou será extinto, você será demitido ou será promovido a CEO, você se tornará sogro de um adolescente que idolatrará alguma banda da qual você jamais gostará, sua vista começará a te deixar na mão, tudo simples e comum como deve ser. De certa forma, a sociedade nos prepara para isso, com seus tratamentos infalíveis e seus compêndios de autoajuda.

Ninguém te avisa, porém, que o abraço do pai será extinto e que isso provocará uma sensação de abandono que só o abraço do pai poderia corrigir. Ele não estará lá, eu avisei.

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